sexta-feira, 22 de maio de 2009

Shakespeare



"If you prick us, do we not bleed?
If you tickle us, do we not laugh?
If you poison us, do we not die?
And if you wrong us, shall we not revenge?"

Merchant of Venice

"And therefore as a stranger give it welcome.
There are more things in heaven and earth, Horatio,
Than are dreamt of in your philosophy."


Hamlet

"O Romeo, Romeo, wherefore art thou Romeo?
Deny thy father and refuse thy name;
Or if thou wilt not, be but sworn my love
And I'll no longer be a Capulet"


Romeo and Juliet

"Love is not love
When it is mingled with regards that stand
Aloof from the entire point"


King Lear

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Considerações sobre a fidelidade



Depois de ler vários absurdos na internet, escutar (as vezes calado e perplexo) a propagação indiscriminada de teorias mirabolantes que visam justificar a infidelidade como comportamento aceitável e até mesmo saudável e importante em relacionamentos adultos, resolvi tecer algumas considerações pessoais sobre o tema. Mais estranho é como eu ainda consigo me estarrecer perante os absurdos cada vez mais constantes que tomam conta da nossa sociedade atualmente. Me entristece ainda saber como o capitalismo conseguiu mercantilizar o sexo e o amor a ponto de equipará-los a coisas extremamente banais como uma roupa ou um carro, ou outro objeto de consumo rápido e pronto. Nada mais atraente ao consumidor que a pseudo-liberdade de se relacionar com quantas pessoas lhe despertem o desejo, podendo assim se afirmar como um consumidor de alto nível, de várias posses. O homem que trai se sente capaz, dotado do poder de consumir quantas mulheres sejam necessárias a lhe alçar a condição de super-homem frente ao seu ciclo de amigos consumistas também. A mulher, iludida pela ideia de igualdade de direitos, acredita se afirmar com a mesma prática. Se sente mais desejada e mais liberada quando se atira a relacionamentos extra-conjugais. E traem-se uns aos outros, na reprodução indefinida do nada, da abstinência sentimental em troca do consumo efêmero, hedonista, imediato de outro nada, do sexo casual. Seria fácil definir a infidelidade como falha de caráter, pois o é! Mas vale fazer uma análise um pouco mais profunda, mesmo que ainda não muito. Evidentemente fidelidade e amor são coisas distintas, pois o vínculo de exclusividade não condiciona ao vínculo afetivo e vice-versa. De onde eu vejo, a questão passa pela total perda de respeito pelo outro, pelo individualismo exacerbado, pela concorrência selvagem, pela busca incessante de ser melhor que o outro, de encontrar a felicidade somente na competição. É a sociedade de valores novos, ou da ausência de valores, aonde a única regra é lucrar a qualquer custo, é ter vantagem sempre, é vencer... Não defendo de forma alguma a monogamia por ela mesma, afinal, nada se explica por si mesmo. O que defendo é a honestidade com quem se gosta, de respeitar a própria decisão de ser exclusivo. Ninguém se obriga a isso, é mero ato de vontade. Por isso, infidelidade não é ato de desamor, de forma alguma. É ato de desrespeito, de total desprezo pelo outro, de insegurança e impotência, daqueles que jamais se realizarão como pessoas porque jamais saberão o que é compartilhar, se doar, pelo simples fato de gostar, de respeitar, de admirar alguém. O melhor de tudo isso que a decisão pela fidelidade (que não deveria sequer ser uma decisão) é unilateral. Não depende do outro, é ato puramente pessoal de caráter. Não se é fiel esperando fidelidade, mas porque se julga certo, porque é traço de personalidade. É algo que não existe dentro da esfera vazia em que existe a nossa civilização. Só faz sentido para os que sabem que o mundo é um pouco mais que o consumo.

sábado, 11 de abril de 2009

Promessas

Imperativo ao momento, deixo quem sabe dizer:


Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure


Vinicius de Moraes

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Sometimes, sometimes...


Levando em consideração o esforço psicológico absuro que me submeto para fazer valer na prática as coisas que penso, é normal que as coisas assumam dimensões diferentes no meu mundo. Como no final das contas a gente perde mais do ganha, acostumar-se com o sofrimento é normal pra todos os que encontram os abismos da vida, sejam eles de quaisquer natureza. Mas enganam-se aqueles que imaginam que isso nos torna mais tristes, ou depressivos, ou coisa que o valha. São apenas lados de uma mesma realidade, faces de uma mesma moeda. O mesmo sofrimento que se impõe severo por sentirmos mais o mundo, e este mundo é sim um lugar bem frio e vazio, nos proporciona singelos momentos de felicidade singular. Está certo que se pode contar nos dedos tais momentos em uma vida, mas o espetacular de tudo isso é ter a consciência que este momento está acontecendo quando ele realmente está. Sem lamentações posteriores de que deveríamos ter aproveitado mais ou percebido coisas que ignoramos. Claro que as consequências da sua escolha fogem ao seu domínio, mas isso não importa realmente. É o prazer de saber que fazemos sempre o melhor que nós podemos que nos move, que nos faz entender que independentemente do que acontecer, o dia vai nascer de novo amanhã, e a vida vai me trazer novas escolhas, e o caminho sem volta é sempre de decidir o que se acha certo, o que se sente ser certo. Por mais que o mundo real não seja lá dos mais perfeitos, é com certeza muito mais intenso, e viver de ilusões, me desculpem, é para os fracos. A verdade sempre é o caminho mais difícil, e sempre o mais belo, para que os que sabem que como no amor, também há beleza na dor, na experiência única que é viver...

quinta-feira, 9 de abril de 2009

No meio do caminho tinha uma pedra...


Peço desculpas por minha superficialidade no assunto, mas me atrevo a tecer algumas considerações acerca de uma discussão filosófica, talvez a mais relevante do século passado, que diz respeito a liberdade do indivíduo, o conflito básico entre o existencialismo e o marxismo ortodoxo, o papel da individualidade na história. Estamos realmente condenados a sermos livres, como constatou Sartre? Até onde essa liberdade pode ser exercida? A história é realmente uma marcha mecânica de estruturas econômicas somente mutáveis pelo cumprimento de um determinado ciclo social? Inventar o meio termo, sobre bases idealistas, jamais. Deixo esse papel ridículo para incosequentes como Michel Foucalt e sua trupe. Estamos sim condenados a ser livres, em determinado aspecto, vez que existe sempre a opção da escolha em qualquer situação. Mas o homem é um ser social, os fenômenos individuais na raça humana representam sim, fenômenos sociais também. E tendo isso em conta, é impossível não constatar que o meio talha sim, de forma decisiva, a gama de escolhas as quais somos permitidos fazer. A liberdade individual plena existe, mas não pode ser exercida socialmente em sua plenitude, o que causa uma controvérsia dialética natural. A síntese que se constrói a partir desse conflito, infelizmente, até hoje me parece intersubjetiva. E a solução desse problema só passará a ter uma resposta científica real depois do desenvolvimento de ciências que ainda estão limitadas pela universidade burguesa, como a psicologia e a sociologia. Caminhamos a passos muito lentos para a reintrodução do materialismo dialético no campo das ciências humanas e são raros os que se atrevem a enfrentar tal assunto. Enquanto a ciência não nos traz opções, minha tendência é aceitar a indissociabilidade da teoria e da prática e agir sempre de forma a buscar a transformação da realidade, tanto a minha realidade individual e consequentemente através dela a realidade do meio. E aceitar sempre que o desfio é maior do que simplesmente fazer a minha parte. Acho muito lindo o passarinho que quer salvar o incêndio da floresta trazendo água no bico, mas honestamente, a esse papel egoísta visivelmente ineficiente e moralista, eu não vou me prestar, não quero morrer queimado e virar mártir. Quero viver pra transformar.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Humanos


Não sobra muita coisa no que diz respeito a escolha senão o lívre arbítrio. Não se assustem, continuo marxista inveterado, exatamente por isso sustento a afirmação. Afinal, de que valeria a práxis se não pudessemos optar por ela? Evidentemente a pressão pela massficação do pensamento em prol do consumo limita, e muito, o poder da escolha. Mas em momento algum isso servirá de motivo a alguém justificar seus erros ou a sua própria renúncia do raciocínio próprio pela imposição do meio, afinal o meio não é fator uníco na formação da individualidade, a resposta pessoal aos estímulos também é determinante, mesmo que essa resposta venha inconscientemente de fatores sociais também. O que torna tudo interessante nessa geléia psico-social toda, é o caráter falível das nossas decisões, e a beleza do aprendizado constante. Claro que ninguém gosta de sofrer, consequencia fundamental do erro grave em pessoas normais, mas é a delícia da falibilidade que torna a tentativa do acerto tão intensa, inquietantemente insuportável e ao mesmo tempo imperativa aos que não fogem à constante da escolha personalíssima, que não se rendem ao senso comum e que são mais que reprodutores, são produtores e detentores da realidade das coisas. Desta forma, já não me importo mais em sofrer, até mesmo em chorar, não vou me privar em momento algum da adrenalina viciante da incerteza, do medo impulsionador dos devaneios mais racionalmente sentimentais, e se ao final me deparar novamente com a implacável certeza de que sou humano, as lágrimas misturarão tristeza e alegria.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Ilusões



Ele nasceu num dia claro, uma manhã comum de um mês de maio qualquer. Nasceu forte, um pouco abaixo do peso mas saudável. Parecia uma criança normal. Era o terceiro filho de uma família de classe média, nasceu de cesariana no hospital mais conceituado da capital. Teve uma infância normal, sem problemas financeiros na família, sem problemas de saúde (tirando uma tia doida que já havia sido internada diversas vezes), sem maiores preocupações. Fez o jardim num colégio privado da zona sul, a poucas quadras de sua casa. Tinha amigos e colegas que frequentavam sua casa e vice-versa. Assistia desenhos pela manhã e estudava à tarde, fazia futebol a noite e inglês uma vez por semana, isso ainda aos 6. Era uma criança extremamente feliz e contagiava a todos ao seu redor. Parecia maduro demais pra sua idade e ao mesmo tempo completamente descontraído e e alegre, aceitava sempre o que lhe acontecia de bom grado, sem os mimos e pirraças típicos da idade e da classe social. Tinha tudo pra ser o mais bem-sucedido da família, desde pequeno se enxergava em seus olhos um brilho e uma inteligência singular. Resolvia problemas de forma espantosamente simples e esbanjava cognição para uma criança daquela idade. Sua vida mudou precisamente aos 9 anos de idade, no mês de julho, férias escolares. Ainda longe de qualquer maturidade afetiva, jamais havia sequer cogitado qualquer envolvimento romantico com uma menina e as odiava por definição, pois, claro, não tinham qualquer aptidão para jogar bola, e brincavam de coisas completamente esdrúxulas como bonecas e casinha. Ele emudeceu. Descia ao térreo do prédio de seu colega para brincar de algo que não me lembro mais, quando avistou a pequena. Ela tinha mais ou menos a sua idade, talvez um ano mais velha, olhos azuis como o céu de julho e cabelos negros como a noite. A pele branca parecia refletir o sol e seu jeito meigo chegava a ser cruel. Não sabia o que fazer, ficou estático, imóvel e só voltou a si depois de que seu colega o atingiu com a bola na cabeça. Passou a tarde a admirar tal anjo. Sim, pois não podia ser apenas uma menina, daquelas que ele odiava, era um anjo, algo divino, inexplicável. Despertou para o amor como um paciente que sai de um coma profundo após 9 anos. Começou a vida ali. A tarde passou e ela se foi. Ao cair da noite, desceu novamente o elevador e se encaminhava para a portaria, para aguardar o motorista que logo chegaria, quando parou no 4 andar. Ela entrou sozinha, e eles se olharam por mais 4 andares, a porta se abriu e num gesto simples ela sorriu e lhe beijou os lábios, de uma maneira infantil, um pequeno estalinho de meio segundo. Se virou e se foi, desta vez pra sempre. Ele jamais esqueceu aquele gesto, foi o combustível de sua vida por vinte anos que se seguiram. Se viciou, se apaixonava constantemente e a alegria de viver agora transbordava, saltava aos olhos, era um romantico incurável. Foi ridicularizado por vezes por seus colegas e amigos, falava de amor já desde os 12 anos. Namorou a menina mais linda do colégio e todas as outras suspiravam quando ele passava. No segundo grau ficou famoso no colégio por dispensar a garota mais popular de todas: simplesmente não a amava. Não era rico, gostava de filosofia mas não tinha barba, adorava o lúdico mas se encantou pela ciência. Fez vestibular pra Medicina e foi aprovado, longe dos primeiros colocados, claro. Teve o primeiro relacionamento adulto aos 20 anos de idade. Como todas as outras, ela era linda, inteligente e tinha como melhor qualidade saber passar horas conversando. Parecia perfeito, foram 3 anos de namoro, ele já estava fazendo residência num hospital grande da capital, era aluno de destaque e ninguém duvidava do futuro brilhante que o rapaz teria pela frente. A família só falava dele, dos prêmios que recebera, da linda menina que iria se casar, do equilíbrio emocional singular, da coragem e liderança do rapaz. Foi numa sexta-feira quente de dezembro, festa do final do ano do pessoal do hospital, acompanhado de sua noiva que aconteceu algo anormal. Alcançava um copo de cerveja da bandeja do garçon que viu de longe a menina dos olhos. Continuavam azuis. O mundo se fez em um silêncio ensurdecedor. Não via nada a sua frente e não ouvia ninguém a sua volta. Virou-se novamente pra sua acompanhante e não sentiu nada. Aquela moça com que estava disposto e ansioso a passar o resto de sua vida agora já não lhe despertara sequer compaixão. Um mar de indiferença que ele jamais havia experimentado se apoderou do seu corpo e de sua alma, como se o amor fosse um líquido que tivesse escorrido em alguns segundos pelo ralo da pia. Nem ao menos chorou. Disse a ela, como se pedisse um café em um bar qualquer, que não a amava mais, que não suportaria mais passar um segundo de sua vida ao lado dela. Não se falava de mais nada em seu meio. Como e porque ele fez aquilo. O homem já não era mais tão doce como o garoto, já não era feliz, já não amava ninguém, era rude com os que lhe cercavam e destratava sua família. Não completou a residência: foi expulso do hospital por agredir um paciente que se recusava a tomar um remédio. Se afundou em livros. Procurou psicólogos e psiquiatras. Queria saber porque não sentia mais nada. Seria possível que houvesse gastado todo o sentimento de sua vida nos primeiros 24 anos, e agora era incapaz de sentir? Ou foi a lembrança de um amor tão simples, tão infantil, que havia estraçalhado a realidade fútil de sua vida adulta? Só havia uma solução. Precisava encontrar aquela moça. Fez contatos com amigos e descobriu quem a havia levado àquela festa, por coincidencia era primo de um grande amigo seu. Conseguiu seu telefone e teve coragem de ligar. Ela se lembrava dele sim, com detalhes, e aparentemente aquele beijo havia marcado também a vida dela. Se encontraram e ele reencontrou a felicidade. Se reapaixonaram como se nunca houvessem se afastado, se amaram como se fosse donos do amor do mundo, se entregaram um ao outro como se não houvesse amanhã. Ele voltou a faculadade e concluiu a residência, se tornou médico importante e abastado. Ela era psicóloga, não era famosa mas tinha consultório próprio e gozava de algum respeito entre a elite. Não esperaram dois anos e já estavam casados, com um filho a caminho. O sinal fechou e ele não viu, a caminhonete o pegou de lado e ele desmaiou instantâneamente. Acordou no hospital, sem o braço esquerdo, o olho esquerdo e com várias cicatrizes no rosto e no corpo. Foi aposentado por invalidez e recebia um salário miserável da previdência. Suas economias e as da família se esvaíram em tratamentos pós operatórios, para conter a dor e evitar hemorragias ou derrames. Sua esposa não trabalhava mais tanto pois precisava cuidar dele, que ensejava cuidados especiais, e do recém-nascido. Já morava agora num dois quartos na Zona Leste, não ia mais a restaurantes chiques nem frequentava as festas da elite. Aos poucos já não via mais na sua esposa a paixão de antes. Era mais uma enfermeira ou coisa que o valha. Começou a se tornar independente novamente, já podia ajudar na casa, a cuidar da criança, mas jamais voltaria a clinicar. Estava fadado à mediocridade, mas se contentava com o amor da mulher e do filho. A moça já apresentava sinais do cansaço, a beleza de antes já não era tão reluzente e o marido nem de longe lembrava mais a imagem do moço por quem se apaixonou por duas vezes, era apenas um aleijado ao qual devia cuidados, não por amor, mas por conveniência, diria que até por pena. Não apresentou muita resistência quando o jovem fisiologista da clínica começou a flertar com ela, era alguns anos mais jovem, independente financeiramente e esbanjava a vitalidade extirpada de seu marido-fardo. Conscientemente tratou de se engravidar do rapaz, e exigiu com autoridade que ele assumisse a criança. Era uma sexta-feira tão quente como aquela de dezembro quando ele se apaixonou novamente por ela, mas dessa vez chovia e muito. Ela entrou em casa molhada, se dirigiu a ele, que assistia televisão no sofá da sala, com a mesma indiferença e desamor com que ele dispensara a ex-noiva 5 anos atrás, proferiu-lhe a sentença do resto de sua vida, ele mudo, não respondeu. Ela apanhou algumas mudas de roupa do armário, arrumou a criança e se foi, não sem avisar antes que mandaria alguém para buscar o resto de suas coisas. Meses depois ele foi condenado a pagar pensão ao seu filho e vivia agora praticamente de um salário mínimo. Via o filho uma vez por mês, por algumas horas, e este já chamava o padastro de papai com mais intimidade que a ele mesmo. Voltou a casa da mãe e morreu sentado em sua cadeira aos 32 anos de idade. Há três já não sentia mais o mundo. Não conseguia nem por um segundo sentir qualquer tipo de emoção em qualquer tipo de situação. Dizem que morreu de tristeza, mas não é verdade. Não poderia se atribuir a ele sentimento tão intenso. A certidão de óbito dizia "falência múltipla de órgãos", o que muitos atribuiam, também errôneamente, aos maus fins do acidente. A verdade é que os órgãos que faliram enfim, há algum tempo perderam a razão de funcionar. Pulsavam dentro de um corpo desprovido de qualquer alma. Em determinado momento se lembrou daquele dia de julho, 23 anos atrás, quando descobrira o amor. Teve consciencia então que a coisa mais sublime pela qual se era digno viver não passava de uma ilusão infantil, que se vivia até a idade adulta e alguns até a velhice. Deciciu morrer naquele momento porque chegou à verdade antes da hora, desmistificou a beleza da vida e não vislumbrou algo mais a se viver por. Fechou os olhos como se fosse dormir e deixou pra trás a amargura de saber que nos preenchemos todos de um vazio sem esperanças de se preencher, senão por ilusões.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Eu prefiro ser...


O tempo passa e as coisas insistem em mudar. Cada segundo, por mais monótono que seja, proporciona à existência a possibilidade da transformação. Alguns segundos, claro, são mais importantes para uns que para outros. Alguns momentos ficam guardados, outros esquecidos, mas a mudança é constante. Eis que na grécia realmente se pensava: um homem realmente não se banha duas duas vezes no mesmo rio. E aonde fica a essência? O que realmente somos? A minha resposta, talvez severa, é que em essência somos uma sequência completa de transformações, em que absolutamente tudo é passível de mudança. Talvez se pense que tal afirmação seja triste, afinal, se não temos valores essenciais, se não somos algo definível, desperta-se, num primeiro momento, uma ideia de vazio, de fragilidade, de inexistência concreta. Enganam-se os que assim pensam. É a face mais bela da existência: a delícia de crescer, de se transformar, de se tornar melhor sempre, de aprender, a capacidade irrestrita de a cada segundo conhecer o mundo de uma forma diferente, de se recriar. É a possibilidade da eternidade, mesmo limitada pelo tempo, pelo curto ciclo da vida. Que triste seria ser Deus, incapaz de se tornar melhor, inapto a aprender, a errar... Que perfeição divina é essa que exclui do seu rol de qualidades a mais apaixonante de todas, que é a metamorfose? Não, obrigado. Me recuso a venerar alguém que se quer pode mudar de ideia. Não me julguem mal, aqueles que acreditam que existem pessoas boas e más, elas podem sim, existir, mas não por essência. São ações e reações psico-sociológicas que formam e solidificam ao longo do tempo a personalidade das pessoas. Mas como diria Marx, tudo que é sólido se desmancha no ar. As coisas mudam, as pessoas mudam, as ideias mudam e até os sentimentos mudam. Não quero dizer que se desfazem, muito pelo contrário, o desafio é sempre acrescentar, crescer, descartar o que se descobriu errado e agregar o novo até então inequívoco. Algumas pessoas terão o prazer de aproveitar essa curta oportunidade que temos nessa vida, outras se acomodarão e permanecerão quase imutáveis, ignorando a única coisa com que realmente nascemos dotados: o lívre-arbítrio, a fenomenal faculdade de sermos quem queremos ser. A estas não deixo meus sentimentos, não contribuem com nada nesses mundo, só com o aumento das tristezas coletivas e individuais. Às outras, meu muito obrigado, realmente vou precisar de ajuda nessa guerra contra o continuísmo. Revolucionários de todos os países, uni-vos!

Borboletas

Butterflies: Yesterday, she left. Tucked away a couple dreams into the old backpack, tidied up her blouse inside her trousers and left. My eyes, hanged on the edge, with the foolish hope that she would turn back and decide to stay, at least for one or two more forevers. But she did not, left only a smile in my eyes and went away. From each step, each mark plunged into he floor, a blue flower grew joyous and i could see where she was, revealed through the butterflies. Yes, because the flowers - what a trick - were not blue petals, were wings of butterflies that, in a dash, flew all back to the sky, like thousands of gas baloons, inaugurating the deep between us. And because the love still warm in the chest, the tears sticked in the face, like candle drops, hardened. Butterflies.

Rita Apoena
(Livre tradução)

terça-feira, 17 de março de 2009

Brilho eterno de uma mente com lembranças


Passaram-se mais ou menos 10 anos desde a última vez em que estivemos juntos. De comum a todos somente a lembrança de um tempo em que, apesar do mar de inseguranças e incertezas, gostávamos de compartilhar nossas vidas uns com os outros, de uma maneira ou de outra. Pequenos momentos que se eternizaram pela saudade contida naquela adolescência latente e na descoberta coletiva de um novo mundo. Grandes amigos, parceiros, companheiros, amantes? Não, éramos colegas de escola. Alguns se tornaram grandes amigos, outros amantes, companheiros, namorados, outros se distanciaram, se esqueceram uns dos outros, seguiram rumos diferentes. Mas aqueles dias que compartilhamos dentro dos muros do Colégio Sagrado Coração de Maria, bem ali, escondidinho na Rua Estevão Pinto, esquina com Palmira, no bairro da Serra, esses sim, jamais serão esquecidos por nós. E foi por esses dias que estivemos juntos no último sábado, dia 14 de março de 2009, na busca de reviver, por algumas horas, toda a magia relegada há muito a pequenos momentos de lembranças nostálgicas, logo esquecidos e guardados novamente num canto escuro e intocável da nossa imaginação. Bem que eu gostaria de ser capaz de transformar em palavras o que ocorreu naquele dia, e poderia até fazer uma narrativa bem detalhada dos fatos, mas isso não importa. O que sentimos e o que vivemos, em uma tarde ordinária de um mês de março qualquer, não pode ser reduzido a texto... e nem deve. Há momentos na vida em que nem o mais competente dos poetas se atreve a eternizar. São pequenas peças que só possuem valor por existirem em nossas cabeças e nossos corações. A vida não é mais a mesma de 10 anos atrás, pra nenhum de nós, mas por algumas horas fomos extremamente competentes na tarefa de recriar um ambiente que por uma década nos deixou enormes saudades. Talvez no dia 14 de março de 2019 possamos nos ver de novo, com alguns encontros a mais a relembrar, mas isso não impera agora. Vou dormir, tenho muito a me lembrar, de uma década atrás e também do último sábado. E por mais louco que possa parecer, acho que o último sábado leva uma ligeira vantagem em minha predileção. Afinal, não é do concreto que tenho saudades, mas das pessoas. Algumas das quais será sempre um prazer reencontrá-las em alguns sábados à tarde, outras que continuarei a rever praticamente todos os dias ou semanas da minhas vida, e outras que terei o prazer de me empenhar em trazê-las pra perto de mim, que descobri que importam muito mais que eu imaginava, e que infelizmente estiveram distantes... espero que nunca mais.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Escolhas


Como marxista devo admitir que as estruturas econômicas são determinantes nas formação das estruturas sociais, que por sua vez derramam ideologia por todas as partes. Entretanto, a razão da qual é dotada o ser humano nos permite, em determinadas ocasiões, a escolha. Mesmo incluído em um meio absurdamente alienado e conformista, diria até reacionário, tive em algum momento da minha vida a opção de pensar. Não sei exatamente quando isso se deu e como foi o ocorrido, mas essa escolha me transformou em alguém completamente distinto das pessoas do meu meio social. Longe de mim dizer que estou certo ou errado, que sou mais ou menos inteligente ou culto que qualquer pessoa que me cerca, mas, certamente, meus olhos veem o mundo de forma diferente. Não me é mais possível enxergar os fenômenos interpessoais como "naturais" ou "adequados". A cada simples gesto de interação, seja ele simplesmente uma conversa entre duas pessoas ou uma notícia de telejornal, minha mente busca de forma implacável a razão ideológica da abordagem e do conteúdo. Talvez por isso as únicas coisas que costumo tolerar na televisão são comédias de situação e alguns raros filmes policiais ou dramáticos. Futebol também me atrai, desde que seja sem áudio, para me poupar da venacidade dos narradores e comentarista a serviço do entretenimento alienante. Por diversas vezes imaginei que seria melhor que minha escolha pela verdade não tivesse ocorrido. Por certo sofreria muito menos, não haveria em mim a necessidade de encontrar alguém como eu, alguém que eu imagine valer a pena me esforçar em compartilhar parte ou toda a minha vida. Meninas e mulheres lindas e vazias parecem brotar das ruas de Belo Horizonte. Quisera eu enxergar a beleza até o limite dos olhos, como já fiz por vezes. Fui vencido pela ideologia a qual não pude me render. Escolhi o mundo fora da bolha da superficialidade, e, de veras, não existem muitas pessoas com as quais se relacionar desse lado. E por mais que saiba que as chances de encontrar o amor além da superficialidade das relações capitalistas, contruído com respeito e admiração mútuos, livre por escolha e verdadeiro por definição, não me arrependo por um minuto de ter escolhido em algum momento pensar o mundo (e transformá-lo) por mim mesmo, sem aceitar as verdades impostas pela ideologia dominante. Apesar de saber que o caminho que escolhi é o mais árduo, em nenhum momento da minha vida tive dúvidas que é o correto. E se mais tarde se provar inepta minha busca pelo amor, o que importa? Me vale mais mil sonhos de um amor verdadeiro que mil anos de um amor irreal. 

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Seu Alberto


Eram quase seis da tarde. Os últimos cinco minutos da vida profissional de Seu Alberto arrastavam-se em discordância com sua ansiedade. Mudo, ao canto da sala observando o relógio, acompanhava com os olhos os ponteiros de segundos cravarem sem piedade infinitos espaços de tempo. Não lhe escapava, entretanto, a indiferença do pessoal da repartição, na qual trabalhara os últimos vinte e cinco anos de sua vida, com sua tão sonhada aposentadoria. Lembrou-se quando deixou a empresa de contabilidade onde trabalhou os primeiros vinte anos de sua vida profissional, quando ainda jovem passou em concurso público, e seus companheiros lhe saudaram com uma garrafa de vinho tinto nacional e uma noitada na Lulu, prostíbulo famoso da região boêmia de Belo Horizonte. Hoje, com salário defasado e praticamente um estranho entre os tantos jovens que tomaram lugar de seus companheiros já aposentados ou falecidos, cumpria incógnito os últimos momentos de sua vida laboral, sem sequer um aperto de mão ou agradecimento por parte do recém-empossado chefe da repartição, ou de qualquer colega. Na verdade não havia contado a ninguém que se aposentaria naquela quinta-feira. Não tinha intimidade nem interesse que ficassem sabendo de detalhe tão pessoal de sua vida. Faltava agora um mísero minuto. Olhou antentamente, com um certo tom de melancolia, as coxas da estagiária que já se dirigia à porta, com sua tradicional saia quase-curta, sempre tolerada pelos (sempre homens) superiores. Imaginou pela última vez a juventude contida naquela moça, de quem sonhava sorver tal atributo, emaranhando-se naquele corpo quase infantil. Logo se esqueceu. A lascívia há muito deixara de habitar a imaginação daquele senhor de já 65 anos de idade por mais de alguns instantes. O último segundo completou seis horas da tarde. Soou seco e insosso. Seu Alberto se levantou da mesma forma que fez durante toda sua carreira, com calma  paciência. Nem a ansiedade de estar logo livre lhe impulsionou a derrubar uma caneta ou qualquer atitute precipitada ou inconsequente. Dirigiu-se ao relógio de ponto pela última vez e marcou seu cartão. A liberdade, enfim muito próxima, residia ao lado externo do prédio do Tribunal. Caminhou lentamente, como se quisesse aproveitar os últimos momentos de uma vida que não deixaria saudades. Do lado de fora do portão paraceu-lhe que o ar estava mais puro, mais leve. Não se preocupara mais em pegar o primeiro ônibus: não havia hora pra chegar em casa, pois não levantaria cedo na manhã seguinte. Esperou então o terceiro ônibus da sua linha, já um pouco mais vazio, e seguiu pra casa, do outro lado da cidade, na Vila Martins. No caminho olhava afora a janela e se deliciava com o tempo, com as fisionomias, as luzes, as idiossincrasias da cidade grande. Desceu na Av. Paraná e pegou a segunda condução, última até seu destino final. A pouco mais de vinte minutos de casa começou a imaginar como seria sua vida agora, livre de trabalho e com o parco dinheirinho a disposição para aproveitar o que lhe restara de vida. Estava velho já pra namorar, então descartou logo o baile da terceira idade que acontecia toda quarta mas que nunca podia ir por força da profissão. Pensou em estudar, mas acovardou-se com a ideia de passar anos a estudar algo que não exerceria profissionalmente, que não lhe ofereceria resultado prático. Ademais, faculdades particulares consumiriam boa parte de sua renda e seria ridicularizado pelos mais jovens, ou ignorado, como acontecera na repartição. Não tinha conhecimento suficiente pra ingressar na faculdade federal. Pensou em viajar, mas não sabia para onde. Não tinha amigos a visitar, não tinha irmãos e seus pais há muito haviam falecido. Não gostava de praia e julho não era o mês ideal, mesmo se quisesse "inventar". O interior lhe lembrava da infância pobre que queria esquecer, da pequena cidade de Pouso Triste, e dos amores adolescentes que ficaram pra trás. Se assutou quando viu seu ponto. Num rompante puxou a corda que dá sinal ao motorista, quase em cima da parada, e viu o condutor ignorar seu apelo tardio. Desceu no ponto seguinte, num cruzamento escuro da rua Direita com o beco das garças, entrada da favelinha do bairro. Parou no bar pra comprar cigarros: decidira naquele momente que seria fumante, hábito que repugnou por toda a vida, mas que preencheria seus dias com a inconsequencia da juventude que ele nunca teve. Foram mais ou menos dois minutos de ação. Naquele instante, três jovens invadiram o buteco com armas em punho e renderam todos os clientes. Dois do lado de fora, entre as mesas na calçada, e o terceiro adentrou o recinto e se dirigiu ao caixa. No momento em que anunciou o assalto, Alberto alcançava o bolso traseiro de sua calça para buscar a carteira e pagar pelo novo vício. O rapaz, de uns 17 anos mais ou menos, que realizava naquele momento seu primeiro assalto a mão armada, imaginou que o velhinho estava a buscar uma arma. Disparou 4 vezes. Uma na cabeça, fatal, e mais duas no peito e uma à altura da pélvis, já com o corpo no chão. Levou todo o dinheiro do caixa e dos bolsos de Seu Alberto, fugindo logo depois num Golf preto que acabara de ser roubado de um playboy na zona sul. Seu Alberto não tinha amigos nem parentes. Poucos do bairro sabiam quem ele era e ninguém apareceu no enterro, só o dono do bar e o padre da igreja que Seu Alberto frequentava todo domingo para assistir a missa e confessar seus sonhos pecaminosos com a estagiária da repartição. Agora sem pecados ou cigarros, seu corpo jaz em vala comum, sem férias ou viagens, apenas mais um pedaço de carne se putrificando na terra, adubando a grama do cemitério municipal. Não se preocupava mais com o que fazer com sua nova vida.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Felicidade



O quão frustante é descobrir um dia que nos contos de fadas as pessoas só vivem felizes para sempre porque o conto acaba ali? Eu invejo (ou não) as pessoas que encontraram a receita da felicidade. Existem dois tipos de detentores dessas fórmula mágica: os que já viveram bastante e fizeram tudo errado, e acham sempre que o vizinho é a pessoa mais feliz do mundo, e os que ainda não viveram o bastante mas sabem, lógico, que basta fazer a mesma coisa que fazem na novela, afinal, no fim da novela todo mundo fica feliz, não? Eu já desisti de encontrar esse tal caminho pavimentado e inequívoco que leva de forma direta e segura à felicidade. Eu não quero ter uma casa enorme com cercas brancas, uma esposa linda e vazia, um casal de filhos consumistas e um golden retriever correndo no quintal. Não sonho em fazer compras em Paris ou NY, nem com carros importados e viagens luxuosas. Pra ser honesto, por um bom tempo isso passou pela minha cabeça sim, mas acho que o tempo se encarregou de me mostrar o quanto isso é vazio. Não vou vender minha felicidade ao consumo. Prefiro procurar, mesmo que não encontre, minha felicidade em mim e nos outros. Cercar-me de pessoas de quem gosto e poder estar com essas pessoas por toda a vida será sim, motivo pra que eu seja, pelo menos a maior parte do meu tempo, uma pessoa feliz. Confesso ser fascinado pela humanidade, descrente na religião e em coisas das quais não existam provas empíricas da sua existência. Por várias vezes me perguntam como eu posso viver sem acreditar em algo diferente, melhor ou maior do que o homem? Ora, o homem é maior e melhor do que se mostra. Nossa sociedade está muito ultrapassada e obviamente podemos e faremos melhor do que isto. Mas como descrer de uma espécie que gerou Einstein, Freud, Marx, Manoel Bandeira, Camões, Picasso, Monet, Da Vinci, Shakespeare, entre outros milhares que nos fizeram e fazem acreditar na capacidade meramente humana, falível, de sermos maiores que nós mesmos? Prefiro acreditar que somos capazes de algo melhor. Prefiro pessoas à coisas. Mochilas à malas. Mulheres à esposas. Filhos à proles. Humanos à Deus. E prefiro acreditar que o meu caminho faço eu, e que a minha felicidade está em construir esse caminho e não aonde ele vai me levar. Porque no fim de todos os caminhos vamos todos ao mesmo lugar. Dela ninguém escapa.

"Ah! bendito o momento em que me revelaste
O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime!
Porque, livre de Deus, redimido e sublime,
Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus,
- Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!"


Olavo Bilac (trecho), A Alvorada do Amor

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Atemporal


ADULTOS

Os adultos fazem negócios. 
Têm rublos nos bolsos. 
Quer amor? Pois não!
Ei-lo por cem rublos!
E eu, sem casa e sem teto, 
com as mãos metidas nos bolsos rasgados,
vagava assombrado.
À noite 
vestis os melhores trajes
e ides descansar sobre viúvas ou casadas.
A mim 
Moscou me sufocava de abraços
com seus infinitos anéis de praças. 
Nos corações, nos relógios
bate o pêndulo dos amantes.
Como se exaltam as duplas no leito do amor! 
Eu, que sou a Praça da Paixão, 
surpreendo o pulsar selvagem 
do coração das capitais.
Desabotoado, o coração quase de fora, 
abria-me ao sol e aos jatos d'água. 
Entrai com vossas paixões! 
Galgai-me com vossos amores! 
Doravante não sou mais dono de meu coração! 
Nos demais - eu sei,
qualquer um o sabe - 
O coração tem domicílio
no peito.
Comigo
a anatomia ficou louca. 
Sou todo coração - 
em todas as partes palpita. 
Oh! Quantas são as primaveras 
em vinte anos acesas nesta fornalha! 
Uma tal carga 
acumulada 
torna-se simplesmente insuportável.
Insuportável 
não para o verso
de veras.


Vladimir Maiakovsky

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Perguntas


Na maioria das vezes, os grandes problemas de comunicação não se devem à grande variedade de respostas vazias e infundadas, ao idealismo generalizado que doutrina o "achismo" como método principal de fundamentação de verdades, aonde o sujeito em si, atribui valor ao seu próprio argumento, por sua posição social ou pelo valor do argumento verborrágico (agora sim pejorativamente falando) na manutenção do ciclo social; se devem, principalmente, à elaboração das perguntas erradas. Uma coisa que me intriga muito hoje em dia é uma pergunta muito recorrente entre o meio "politizado" da população: "Como fazer inclusão social?". Existem infinitas possibilidades de se responder a essa pergunta, todas elas controversas, algumas bem fundadas e outros meros falatórios descabidos e oportunistas. O problema é que essa não é a pergunta certa a ser feita. A pergunta é: "Em qual  sociedade queremos incluir nossos cidadãos?". Aí sim podemos pensar em inclusão social de forma estrutural e não simplesmente efêmera. O problema da primeira pergunta é que ela traz em si a afirmação implícita de que é necessário incluir pessoas no nosso modelo de sociedade de consumo. O que essa pergunta realmente quer dizer é: "Como aumentar o mercado consumidor e gerar bem-estar social?". Elaborar as perguntas certas é de longe a parte mais complicada do pensamento científico. A estruturação de um bom argumento passa, primordialmente, pela elaboração de uma questão que tenha relevância do ponto de vista material, que proponha o conhecimento através da análise dialética dos fatos históricos que criaram o problema que deve ser solucionado. Há algum tempo fico muito mais feliz quando encontro as perguntas certas do que quando encontro as respostas, que nada mais são que verdades válidas em determinado período de tempo. Enfim, este texto não se propõe a discutir a validade de um ou outro método científico e muito menos dismistificar um ou outro aspecto pontual da massificação do pensamento que estamos há tanto tempo atravessando, aonde as pessoas estão talhadas do direito de pensar, mas pura e simplesmente propor uma pergunta, sem qualquer pretensão imediata de resposta: Quem somos nós? Qual seria o nosso papel na marcha da história? Qual o valor da nossa individualidade em um mundo em que as superestruturas econômicas ditam o que vestimos, pensamos, comemos, gostamos, criamos e perseguimos? Essas são perguntas ótimas, mas creio que a chave disso tudo é descobrir qual é a ciência capaz de nos levar a essas respostas. Seria a sociologia a fonte da compreensão do comportamento social individual de cada um de nós, ou a psicologia a detentora do direito de relacionar nossas atitudes ao subconsciente, independente do impacto que as estruturas sociais causam na criação de grandes massas de valores homogêneos, e, portanto, capaz de individualizar o racionalismo de cada um?
Trata-se, entretanto, num esforço de se pensar a psicologia, o individualismo freudiano, típico da ideologia burguesa, em bases universais, acrescentando à individualidade a influência definitiva das estruturas socioeconômicas. Deixando de lado argumentos técnicos, é impossível descobrir quem somos sem levarmos em conta o papel determinante da cultura da nossa sociedade, que determina de forma categórica nossas vontades, desejos e sentimentos. Do outro lado, a independência intelectual da qual todos somos dotados há de ser o meio para que possamos encontrar de forma individual quais são nossos verdadeiros (leia-se não-ideológicos) anseios socias, aí compreendidas as relações humanas, principalmente, e possamos, enfim, nos livrar das nossas próprias amarras, que nada mais são que limitações de moral íntima criadas por influência externa.


"A psicologia não detém, de forma nenhuma, o 'segredo'
dos factos humanos, pura e simplesmente porque esse 'segredo'
não é de ordem psicológica."
Georges Politzer: La crise de la psychologie contemporaine.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

In many ways, they'll miss the good old days, someday, someday...

Foram 15 meses no velho continente. Embarcamos no dia 5 de outubro de 2007, e voltamos nos dias 9 (Pelé) e 11 de janeiro (eu) de 2009. Depois da farra na costeira Swanage no condado de Dorset, sul da Inglaterra, que durou um mês exato, fomos apartados e eu fui enviado a uma pequena cidade chamada Stanley, no norte da Inglaterra, que fica a aproximadamente 15 min do centro de Newcastle Upon-Tyne, a maior cidade acima da linha de Liverpool-Manchester. Dois meses depois o ostracismo e a rotina me forçaram a tomar uma atitude afim de impedir que eu perdesse meu ano num buraco, e no dia 2 de janeiro de 2008 arrumei minha mochila e me mandei pra Londres, na cara e na coragem. Sem conhecer absolutamente nenhuma alma viva na capital inglesa, o primeiro mês foi talvez o mais complicado da minha ainda curta passagem aqui nesse planeta. Com um inglês da roça, piorado com o forte sotaque nortista, um currículo nas mãos e uma coragem que nem eu sabia que tinha, arrumei um albergue e rodei a cidade em busca de absolutamente qualquer emprego que pudesse me dar a possibilidade de me manter até arrumar a vida. Com a ajuda espírita de uma amiga que eu não via há vários anos, arrumei um emprego num restaurante brazuca. Um mês depois veio o Pelé, repatriado de Gales. Depois de um tempo arrumamos coisa melhor numa galeria de arte/nightclub que estava para ser reinaugurado em Londres e que hoje é uma das casas mais famosas da capital, o Proud Galleries. Por alguns meses se tornou rotina trabalhar por volta de 60h por semana, dormir umas 6h por dia e beber o resto do tempo. Evidenteme que após alguns meses estávamos todos com condições de saúde debilitadas. Foi quando larguei o Proud, ao final de agosto, e quando a merda começou. Já haviam se passado 11 meses no Reino Unido quando comecei a viajar a europa. Primeiro a Dinamarca, depois a França, Suécia, Noruega, Lituânia, Letônia, Estônia, Finlânida, Áustria e Alemanha. Evidentemente que cada viagem foi espetacular, mas a volta pra Londres começou a se tornar deprimente. Não suportava mais a rotina fria e chuvosa, os subempregos, a má-alimentação e etc. As vezes em que saíamos era realmente muito bom, mas devido à queda da libra e nossos planos de mochilar em dezembro/janeiro, estas foram se tornando mais escassas. Depois que assaltaram nossa casa a coisa ficou mais tensa. Sem muitos objetivos mais, a vontade de sair de lá foi se tornando angustiante e em determinado ponto Londres deixou de ser aquilo que foi por muito tempo: um lugar espetacular pra se viver por algum tempo! E até chegar ao Brasil, passando por todos os lugares espetaculares que tive a oportunidade de conhecer, imaginava que ia demorar pra dar vontade de voltar. What a fool was I... Não tenho mais vontade de passar longos meses ou anos da minha vida na Grã-Bretanha, mas que eu vou voltar, e em breve, isso é fato. In many ways, i miss the good old days. É engraçado como depois que as coisas ruins passam, a gente tende a lembrar só das coisas boas. E não foram poucos os momentos espetaculares que passei na europa, passando pelo verão em Paris, a Oktoberfest em Munique, a a aurora boreal em Tromso, no Pólo Norte, falar polonês na Polônia, conhecer Auschwitz, dormir nas couchettes dos trens, comer dezenas de Quarter Pounders w/ cheese, dividir quartos de albergue com italianos malucos e principalmente as noites insanas que passamos no Proud, as segundas no walkabout, as quartas no Metro's, o verão no Hyde Park com Jack Johnson e cia, o torneio de Wimbledon, as memoráveis viagens ao ASDA, o o'neill's de Leicester Square, a 02 Arena, White Hart Lane, The Ship, Hawley Arms e um milhão de outras pequenas coisas que não dizem nada pra ninguém além das pessoas que estiveram lá comigo.  2008 pode não ter sido o melhor ano da minha vida, mas com certeza será sempre o mais memorável...

O diário de bordo pode ser encontrado em http://perdidosnaeuropa.zip.net

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Uma vez até morrer



Enfim vencemos! Terceira rodada do campeonato mineiro, após dois empates sofríveis e preocupantes contra as fragilíssimas equipes do Mequinha e do Tupi, este último em situação alarmante, vencemos a mosca morta do Social de Fabriciano, fortíssimo candidato ao rebaixamento nessa temporada. E de que importa? O que importa é vencer, e o atleticano vai se reacostumar com isso após quase uma década de gestões fracassadas e conformistas que relegaram o time de futebol do gigantesco Clube Atlético Mineiro a uma equipe medíocre, totalmente incompatível com sua história. Alexandre Kalil ainda não acenou com o projeto do sócio-torcedor que vem dando tão certo no Inter de PoA e que a massa Alvinegra tanto clama, mas vem mostrando, até o momento, uma gestão mais competente e ambiciosa que as administrações de RG e Ziza Valadares. O time do Atlético esse ano está longe de ser um dos melhores do país, como deveria, mas está bem mais longe de ser um dos piores, como virou rotina nos últimos anos. A equipe vice-campeã brasileira em 1999 também não era um primor de técnica, mas venceu pela competência do então treinador Darío Pereyra e da gestão que contava com os atuais Bebeto de Freitas e Kalil, então diretor de futebol, e também, evidentemente, por ter acertado uma das melhores duplas de ataque que o Brasileirão já viu. Este ano, graças à crise econômica que impediu o êxodo absurdo de jogadores para o exterior e com o arrocho salarial experimentado pelas periferías européias, a maioria dos grandes clubes do Brasil montaram equipes muito mais qualificadas que as dos últimos anos. O Galo também, apesar de não estar, na minha modesta opinião, entre os melhores plantéis. E de que isso importa? Não foram poucas as vezes em que equipes mais limitadas levantaram canecos em cima de grandes esquadrões. A Alemanha, campeã de 1974, é um belo exemplo de um bom time que bateu uma máquina. Tudo que o Galo precisa pra reencontrar o caminho dos títulos é entender as limitações do plantel e montar uma equipe competitiva, dentro de seus limites, e ambiciosa. Para isso temos agora um treinador que montou times vitoriosos com poucas peças em ambas as vezes em que dirigiu o glorioso. Émerson Leão, apesar de ranzinza e ególatra, é sim, um bom técnico de futebol e tem identificação com o clube. Esperamos que daqui pra frente o Galo do povo volte a vencer e amedontrar todos os grandes do país, como sempre fez, e que a massa ansiosa possa enfim soltar da garganta o grito que está preso há anos. Nós merecemos, e vamos torcer contra o vento!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Saudades de uma infância verdadeiramente feliz!

Assisti a um vídeo hoje no famigerado youtube, com o singelo título de "Saudades de uma infância verdadeiramente feliz". Curioso que sou, perdi alguns minutos da minha vida não muito atribulada assistindo a uma avalanche de imagens de brinquedos, chocolates, desenhos animados entre outras quinquilharias que marcaram a minha infância, tudo isso com o melancólico e agradável som do Balão Mágico ao fundo. Não é, definitivamente, a primeira vez que me deparo com artifícios saudosistas dessa natureza, e parece-me uma unanimidade entre a minha geração venerar os artigos de massa que faliram no passado, ao longo das décadas de 80 e 90. Honestamente, não consigo diferenciar a alegria que Changeman me trouxe do prazer que os atuais Power Rangers ou coisa que o valha trazem às crianças de hoje. O que eu espero, sinceramente, é que as próximas gerações possam se lembrar mais das brincadeiras e amizades, essas sim verdadeiras, construídas durante uma infância mais humana que a que fui submetido. Sim, a minha geração já faz parte da onda de ampliação de mercado que encontrou no púbico infantil uma reserva espetacularmente tentadora. As crianças são muito mais volúveis ao argumento do consumo que os adultos. Não nos bastava mais vários vizinhos e uma bola, ou uma boneca de pano para as meninas brincarem umas com as outras. Desde há muito o consumo é nosso meio de realização. São vídeo games cada dia mais modernos, desenhos animados que só são acessíveis pela TV a cabo, doces e balas sofisticadas, CD's de bandas de sucesso e etc. Os que não têm condições de consumir automaticamente se excluem do ciclo do crescimento "saudável". Seria a nossa infância infeliz sem o Super Nintendo ou o Guaraná Brahma? Nossas manhãs mais tristes porque a Xuxa não apresentou seu programa? Talvez a falta de Lolo e Batom no baleiro da escola fosse nos deprimir profundamente, não? Aonde está a identidade da infância nisso tudo? Não está, de maneira nenhuma, embutida nos produtos que nos remetem àquele tempo, e sim na lembrança de uma época em que estávamos aptos a participar do circo consumista sem nos preocupar de onde vinha a grana, de uma época onde se incluir era mais simples e que nossa responsabilidade era nula. Quais os grandes traumas da infância de uma criança de classe média? A falta de um brinquedo que os pais não puderam comprar, ou o desenho que nunca puderam assistir, e os doces que não podiam consumir, certo? Com todo o esforço de nossos pais de nos manter na bolha que isola a realidade crua dos olhos da criança, nos acostumamos a encontrar no consumo a felicidade plena. Quem se importa se já é raro manter amigos de infância, se podemos nos lembrar com saudades dos produtos que um dia possuímos? E as pessoas? Essas não vão ser encontradas em vídeos no youtube, em e-mail bem confeccionados em flash ou power point. Talvez um dia se tornem novamente mais uma cara no orkut, entre milhões de desconhecidos que te fazem uma pessoa popular, com 700 amigos! Até quando as pessoas estarão relegadas a segundo plano na imaginação das outras? Não quero mais me lembrar do He-man, mas dos dias raros em que fechávamos a rua, com duas pedras de cada lado, e entre amigos e desconhecidos, o dia passava agradável numa descontraída partida de futebol em que não se importavam as unhas ou o placar, simplesmente o prazer de se relacionar com outros seres humanos...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Verborragia (ou simplesmente logorréia)

ver.bor.ra.gi.a
sf (verbo+ragia) pej Qualidade de quem fala ou discute com grande fluência e abundância de palavras, mas com poucas idéias; logorréia.

lo.gor.réi.a

  1. (Uso: pejorativo) profusão de frases sem sentido e/ou inúteis
  2. (psicopatologiacompulsão para falarloquacidade exagerada que se nota em determinados casos de neurose e psicose, como se o paciente, assim, quisesse dar vazão ao grande número de idéias que passam por sua cabeça; logomaniaverborragia

Um dia me disseram que ninguém é 100% são, mesmo psicológicamente falando. Mas dizem muita bobagem por aí. A verdade é que a profusão de idéias aparentemente cognicíveis e formadoras de uma verdade idealista sempre me incomodou. Talvez eu mesmo seja vítima da psicopatologia conhecida como logorréia, (no sentido clínico, jamais no sentido pejorativo) mas meu esforço é em razão de isolar a idiotice da aparência vazia do meu cotidiano e procurar sentido nas coisas que faço, penso e, principalmente, sinto. A campanha histórica da dissolução do pensar com o sentir, é a grande responsável pelo sofrimento cinematográfico e muitas vezes patológico das novas gerações, acostumadas a repetir e somatizar comportamentos padronizados por novelas, big brothers, "soap operas" e etc. As pessoas sofrem sem saber por quê, e aprendem a aceitar que o sentimento é simplesmente desprovido de qualquer razão, que estamos fadados a um destino obscuro e que estamos atados frente a um emaranhado de possibilidades imprevisíveis que decidirão nosso futuro de forma implacável e coercitiva. Deceparam-nos o direito à escolha e condicionaram as nossas escolhas sempre àquelas que podem ser aceitas sob a ótica da sociedade de consumo. Não estou dizendo que se pode escolher o que sentir, muito pelo contrário, não se pode. O que se pode é escolher o que pensar, e principalmente, escolher pensar. Não compreender os reflexos da sociedade na nossa personalidade antes de se afogar num mar de certezas ideais e aceitar os comportamentos padronizados e felicidades enlatadas certamente te levará, em algum ponto, a um conflito interno insolúvel, visto que consumir relacionamentos é simples como consumir produtos: tem sempre de trazer ao indivíduo um ganho ou status social aceitável no meio. Quando não é mais eficaz em produzir esse efeito, perde o sentido. Daí as eternas incertezas, traições, inseguranças, ciúmes e outras doenças. Não existe caminho para a felicidade, mesmo porque esta é um fenômeno pendular, que de tempos em tempos vem e depois se vai. O esforço, então, fica por conta de pensar o mundo com nossas próprias cabeças e questionar sempre o óbvio. Isso não é a receita do sucesso (esta você pode encontrar no "Monge e o Executivo", "Quem mexeu no meu queijo" e outras maravilhas da literatura moderna), mas o meio de se tornar e se sentir único, agente da construção e da formação de um mundo onde a escolha possa voltar a existir livre, desprovida de interesses sociais de um pequeno grupo que insiste em nos convencer que as relações humanas também podem ser comercializadas.