quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Seu Alberto


Eram quase seis da tarde. Os últimos cinco minutos da vida profissional de Seu Alberto arrastavam-se em discordância com sua ansiedade. Mudo, ao canto da sala observando o relógio, acompanhava com os olhos os ponteiros de segundos cravarem sem piedade infinitos espaços de tempo. Não lhe escapava, entretanto, a indiferença do pessoal da repartição, na qual trabalhara os últimos vinte e cinco anos de sua vida, com sua tão sonhada aposentadoria. Lembrou-se quando deixou a empresa de contabilidade onde trabalhou os primeiros vinte anos de sua vida profissional, quando ainda jovem passou em concurso público, e seus companheiros lhe saudaram com uma garrafa de vinho tinto nacional e uma noitada na Lulu, prostíbulo famoso da região boêmia de Belo Horizonte. Hoje, com salário defasado e praticamente um estranho entre os tantos jovens que tomaram lugar de seus companheiros já aposentados ou falecidos, cumpria incógnito os últimos momentos de sua vida laboral, sem sequer um aperto de mão ou agradecimento por parte do recém-empossado chefe da repartição, ou de qualquer colega. Na verdade não havia contado a ninguém que se aposentaria naquela quinta-feira. Não tinha intimidade nem interesse que ficassem sabendo de detalhe tão pessoal de sua vida. Faltava agora um mísero minuto. Olhou antentamente, com um certo tom de melancolia, as coxas da estagiária que já se dirigia à porta, com sua tradicional saia quase-curta, sempre tolerada pelos (sempre homens) superiores. Imaginou pela última vez a juventude contida naquela moça, de quem sonhava sorver tal atributo, emaranhando-se naquele corpo quase infantil. Logo se esqueceu. A lascívia há muito deixara de habitar a imaginação daquele senhor de já 65 anos de idade por mais de alguns instantes. O último segundo completou seis horas da tarde. Soou seco e insosso. Seu Alberto se levantou da mesma forma que fez durante toda sua carreira, com calma  paciência. Nem a ansiedade de estar logo livre lhe impulsionou a derrubar uma caneta ou qualquer atitute precipitada ou inconsequente. Dirigiu-se ao relógio de ponto pela última vez e marcou seu cartão. A liberdade, enfim muito próxima, residia ao lado externo do prédio do Tribunal. Caminhou lentamente, como se quisesse aproveitar os últimos momentos de uma vida que não deixaria saudades. Do lado de fora do portão paraceu-lhe que o ar estava mais puro, mais leve. Não se preocupara mais em pegar o primeiro ônibus: não havia hora pra chegar em casa, pois não levantaria cedo na manhã seguinte. Esperou então o terceiro ônibus da sua linha, já um pouco mais vazio, e seguiu pra casa, do outro lado da cidade, na Vila Martins. No caminho olhava afora a janela e se deliciava com o tempo, com as fisionomias, as luzes, as idiossincrasias da cidade grande. Desceu na Av. Paraná e pegou a segunda condução, última até seu destino final. A pouco mais de vinte minutos de casa começou a imaginar como seria sua vida agora, livre de trabalho e com o parco dinheirinho a disposição para aproveitar o que lhe restara de vida. Estava velho já pra namorar, então descartou logo o baile da terceira idade que acontecia toda quarta mas que nunca podia ir por força da profissão. Pensou em estudar, mas acovardou-se com a ideia de passar anos a estudar algo que não exerceria profissionalmente, que não lhe ofereceria resultado prático. Ademais, faculdades particulares consumiriam boa parte de sua renda e seria ridicularizado pelos mais jovens, ou ignorado, como acontecera na repartição. Não tinha conhecimento suficiente pra ingressar na faculdade federal. Pensou em viajar, mas não sabia para onde. Não tinha amigos a visitar, não tinha irmãos e seus pais há muito haviam falecido. Não gostava de praia e julho não era o mês ideal, mesmo se quisesse "inventar". O interior lhe lembrava da infância pobre que queria esquecer, da pequena cidade de Pouso Triste, e dos amores adolescentes que ficaram pra trás. Se assutou quando viu seu ponto. Num rompante puxou a corda que dá sinal ao motorista, quase em cima da parada, e viu o condutor ignorar seu apelo tardio. Desceu no ponto seguinte, num cruzamento escuro da rua Direita com o beco das garças, entrada da favelinha do bairro. Parou no bar pra comprar cigarros: decidira naquele momente que seria fumante, hábito que repugnou por toda a vida, mas que preencheria seus dias com a inconsequencia da juventude que ele nunca teve. Foram mais ou menos dois minutos de ação. Naquele instante, três jovens invadiram o buteco com armas em punho e renderam todos os clientes. Dois do lado de fora, entre as mesas na calçada, e o terceiro adentrou o recinto e se dirigiu ao caixa. No momento em que anunciou o assalto, Alberto alcançava o bolso traseiro de sua calça para buscar a carteira e pagar pelo novo vício. O rapaz, de uns 17 anos mais ou menos, que realizava naquele momento seu primeiro assalto a mão armada, imaginou que o velhinho estava a buscar uma arma. Disparou 4 vezes. Uma na cabeça, fatal, e mais duas no peito e uma à altura da pélvis, já com o corpo no chão. Levou todo o dinheiro do caixa e dos bolsos de Seu Alberto, fugindo logo depois num Golf preto que acabara de ser roubado de um playboy na zona sul. Seu Alberto não tinha amigos nem parentes. Poucos do bairro sabiam quem ele era e ninguém apareceu no enterro, só o dono do bar e o padre da igreja que Seu Alberto frequentava todo domingo para assistir a missa e confessar seus sonhos pecaminosos com a estagiária da repartição. Agora sem pecados ou cigarros, seu corpo jaz em vala comum, sem férias ou viagens, apenas mais um pedaço de carne se putrificando na terra, adubando a grama do cemitério municipal. Não se preocupava mais com o que fazer com sua nova vida.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Felicidade



O quão frustante é descobrir um dia que nos contos de fadas as pessoas só vivem felizes para sempre porque o conto acaba ali? Eu invejo (ou não) as pessoas que encontraram a receita da felicidade. Existem dois tipos de detentores dessas fórmula mágica: os que já viveram bastante e fizeram tudo errado, e acham sempre que o vizinho é a pessoa mais feliz do mundo, e os que ainda não viveram o bastante mas sabem, lógico, que basta fazer a mesma coisa que fazem na novela, afinal, no fim da novela todo mundo fica feliz, não? Eu já desisti de encontrar esse tal caminho pavimentado e inequívoco que leva de forma direta e segura à felicidade. Eu não quero ter uma casa enorme com cercas brancas, uma esposa linda e vazia, um casal de filhos consumistas e um golden retriever correndo no quintal. Não sonho em fazer compras em Paris ou NY, nem com carros importados e viagens luxuosas. Pra ser honesto, por um bom tempo isso passou pela minha cabeça sim, mas acho que o tempo se encarregou de me mostrar o quanto isso é vazio. Não vou vender minha felicidade ao consumo. Prefiro procurar, mesmo que não encontre, minha felicidade em mim e nos outros. Cercar-me de pessoas de quem gosto e poder estar com essas pessoas por toda a vida será sim, motivo pra que eu seja, pelo menos a maior parte do meu tempo, uma pessoa feliz. Confesso ser fascinado pela humanidade, descrente na religião e em coisas das quais não existam provas empíricas da sua existência. Por várias vezes me perguntam como eu posso viver sem acreditar em algo diferente, melhor ou maior do que o homem? Ora, o homem é maior e melhor do que se mostra. Nossa sociedade está muito ultrapassada e obviamente podemos e faremos melhor do que isto. Mas como descrer de uma espécie que gerou Einstein, Freud, Marx, Manoel Bandeira, Camões, Picasso, Monet, Da Vinci, Shakespeare, entre outros milhares que nos fizeram e fazem acreditar na capacidade meramente humana, falível, de sermos maiores que nós mesmos? Prefiro acreditar que somos capazes de algo melhor. Prefiro pessoas à coisas. Mochilas à malas. Mulheres à esposas. Filhos à proles. Humanos à Deus. E prefiro acreditar que o meu caminho faço eu, e que a minha felicidade está em construir esse caminho e não aonde ele vai me levar. Porque no fim de todos os caminhos vamos todos ao mesmo lugar. Dela ninguém escapa.

"Ah! bendito o momento em que me revelaste
O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime!
Porque, livre de Deus, redimido e sublime,
Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus,
- Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!"


Olavo Bilac (trecho), A Alvorada do Amor

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Atemporal


ADULTOS

Os adultos fazem negócios. 
Têm rublos nos bolsos. 
Quer amor? Pois não!
Ei-lo por cem rublos!
E eu, sem casa e sem teto, 
com as mãos metidas nos bolsos rasgados,
vagava assombrado.
À noite 
vestis os melhores trajes
e ides descansar sobre viúvas ou casadas.
A mim 
Moscou me sufocava de abraços
com seus infinitos anéis de praças. 
Nos corações, nos relógios
bate o pêndulo dos amantes.
Como se exaltam as duplas no leito do amor! 
Eu, que sou a Praça da Paixão, 
surpreendo o pulsar selvagem 
do coração das capitais.
Desabotoado, o coração quase de fora, 
abria-me ao sol e aos jatos d'água. 
Entrai com vossas paixões! 
Galgai-me com vossos amores! 
Doravante não sou mais dono de meu coração! 
Nos demais - eu sei,
qualquer um o sabe - 
O coração tem domicílio
no peito.
Comigo
a anatomia ficou louca. 
Sou todo coração - 
em todas as partes palpita. 
Oh! Quantas são as primaveras 
em vinte anos acesas nesta fornalha! 
Uma tal carga 
acumulada 
torna-se simplesmente insuportável.
Insuportável 
não para o verso
de veras.


Vladimir Maiakovsky

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Perguntas


Na maioria das vezes, os grandes problemas de comunicação não se devem à grande variedade de respostas vazias e infundadas, ao idealismo generalizado que doutrina o "achismo" como método principal de fundamentação de verdades, aonde o sujeito em si, atribui valor ao seu próprio argumento, por sua posição social ou pelo valor do argumento verborrágico (agora sim pejorativamente falando) na manutenção do ciclo social; se devem, principalmente, à elaboração das perguntas erradas. Uma coisa que me intriga muito hoje em dia é uma pergunta muito recorrente entre o meio "politizado" da população: "Como fazer inclusão social?". Existem infinitas possibilidades de se responder a essa pergunta, todas elas controversas, algumas bem fundadas e outros meros falatórios descabidos e oportunistas. O problema é que essa não é a pergunta certa a ser feita. A pergunta é: "Em qual  sociedade queremos incluir nossos cidadãos?". Aí sim podemos pensar em inclusão social de forma estrutural e não simplesmente efêmera. O problema da primeira pergunta é que ela traz em si a afirmação implícita de que é necessário incluir pessoas no nosso modelo de sociedade de consumo. O que essa pergunta realmente quer dizer é: "Como aumentar o mercado consumidor e gerar bem-estar social?". Elaborar as perguntas certas é de longe a parte mais complicada do pensamento científico. A estruturação de um bom argumento passa, primordialmente, pela elaboração de uma questão que tenha relevância do ponto de vista material, que proponha o conhecimento através da análise dialética dos fatos históricos que criaram o problema que deve ser solucionado. Há algum tempo fico muito mais feliz quando encontro as perguntas certas do que quando encontro as respostas, que nada mais são que verdades válidas em determinado período de tempo. Enfim, este texto não se propõe a discutir a validade de um ou outro método científico e muito menos dismistificar um ou outro aspecto pontual da massificação do pensamento que estamos há tanto tempo atravessando, aonde as pessoas estão talhadas do direito de pensar, mas pura e simplesmente propor uma pergunta, sem qualquer pretensão imediata de resposta: Quem somos nós? Qual seria o nosso papel na marcha da história? Qual o valor da nossa individualidade em um mundo em que as superestruturas econômicas ditam o que vestimos, pensamos, comemos, gostamos, criamos e perseguimos? Essas são perguntas ótimas, mas creio que a chave disso tudo é descobrir qual é a ciência capaz de nos levar a essas respostas. Seria a sociologia a fonte da compreensão do comportamento social individual de cada um de nós, ou a psicologia a detentora do direito de relacionar nossas atitudes ao subconsciente, independente do impacto que as estruturas sociais causam na criação de grandes massas de valores homogêneos, e, portanto, capaz de individualizar o racionalismo de cada um?
Trata-se, entretanto, num esforço de se pensar a psicologia, o individualismo freudiano, típico da ideologia burguesa, em bases universais, acrescentando à individualidade a influência definitiva das estruturas socioeconômicas. Deixando de lado argumentos técnicos, é impossível descobrir quem somos sem levarmos em conta o papel determinante da cultura da nossa sociedade, que determina de forma categórica nossas vontades, desejos e sentimentos. Do outro lado, a independência intelectual da qual todos somos dotados há de ser o meio para que possamos encontrar de forma individual quais são nossos verdadeiros (leia-se não-ideológicos) anseios socias, aí compreendidas as relações humanas, principalmente, e possamos, enfim, nos livrar das nossas próprias amarras, que nada mais são que limitações de moral íntima criadas por influência externa.


"A psicologia não detém, de forma nenhuma, o 'segredo'
dos factos humanos, pura e simplesmente porque esse 'segredo'
não é de ordem psicológica."
Georges Politzer: La crise de la psychologie contemporaine.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

In many ways, they'll miss the good old days, someday, someday...

Foram 15 meses no velho continente. Embarcamos no dia 5 de outubro de 2007, e voltamos nos dias 9 (Pelé) e 11 de janeiro (eu) de 2009. Depois da farra na costeira Swanage no condado de Dorset, sul da Inglaterra, que durou um mês exato, fomos apartados e eu fui enviado a uma pequena cidade chamada Stanley, no norte da Inglaterra, que fica a aproximadamente 15 min do centro de Newcastle Upon-Tyne, a maior cidade acima da linha de Liverpool-Manchester. Dois meses depois o ostracismo e a rotina me forçaram a tomar uma atitude afim de impedir que eu perdesse meu ano num buraco, e no dia 2 de janeiro de 2008 arrumei minha mochila e me mandei pra Londres, na cara e na coragem. Sem conhecer absolutamente nenhuma alma viva na capital inglesa, o primeiro mês foi talvez o mais complicado da minha ainda curta passagem aqui nesse planeta. Com um inglês da roça, piorado com o forte sotaque nortista, um currículo nas mãos e uma coragem que nem eu sabia que tinha, arrumei um albergue e rodei a cidade em busca de absolutamente qualquer emprego que pudesse me dar a possibilidade de me manter até arrumar a vida. Com a ajuda espírita de uma amiga que eu não via há vários anos, arrumei um emprego num restaurante brazuca. Um mês depois veio o Pelé, repatriado de Gales. Depois de um tempo arrumamos coisa melhor numa galeria de arte/nightclub que estava para ser reinaugurado em Londres e que hoje é uma das casas mais famosas da capital, o Proud Galleries. Por alguns meses se tornou rotina trabalhar por volta de 60h por semana, dormir umas 6h por dia e beber o resto do tempo. Evidenteme que após alguns meses estávamos todos com condições de saúde debilitadas. Foi quando larguei o Proud, ao final de agosto, e quando a merda começou. Já haviam se passado 11 meses no Reino Unido quando comecei a viajar a europa. Primeiro a Dinamarca, depois a França, Suécia, Noruega, Lituânia, Letônia, Estônia, Finlânida, Áustria e Alemanha. Evidentemente que cada viagem foi espetacular, mas a volta pra Londres começou a se tornar deprimente. Não suportava mais a rotina fria e chuvosa, os subempregos, a má-alimentação e etc. As vezes em que saíamos era realmente muito bom, mas devido à queda da libra e nossos planos de mochilar em dezembro/janeiro, estas foram se tornando mais escassas. Depois que assaltaram nossa casa a coisa ficou mais tensa. Sem muitos objetivos mais, a vontade de sair de lá foi se tornando angustiante e em determinado ponto Londres deixou de ser aquilo que foi por muito tempo: um lugar espetacular pra se viver por algum tempo! E até chegar ao Brasil, passando por todos os lugares espetaculares que tive a oportunidade de conhecer, imaginava que ia demorar pra dar vontade de voltar. What a fool was I... Não tenho mais vontade de passar longos meses ou anos da minha vida na Grã-Bretanha, mas que eu vou voltar, e em breve, isso é fato. In many ways, i miss the good old days. É engraçado como depois que as coisas ruins passam, a gente tende a lembrar só das coisas boas. E não foram poucos os momentos espetaculares que passei na europa, passando pelo verão em Paris, a Oktoberfest em Munique, a a aurora boreal em Tromso, no Pólo Norte, falar polonês na Polônia, conhecer Auschwitz, dormir nas couchettes dos trens, comer dezenas de Quarter Pounders w/ cheese, dividir quartos de albergue com italianos malucos e principalmente as noites insanas que passamos no Proud, as segundas no walkabout, as quartas no Metro's, o verão no Hyde Park com Jack Johnson e cia, o torneio de Wimbledon, as memoráveis viagens ao ASDA, o o'neill's de Leicester Square, a 02 Arena, White Hart Lane, The Ship, Hawley Arms e um milhão de outras pequenas coisas que não dizem nada pra ninguém além das pessoas que estiveram lá comigo.  2008 pode não ter sido o melhor ano da minha vida, mas com certeza será sempre o mais memorável...

O diário de bordo pode ser encontrado em http://perdidosnaeuropa.zip.net

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Uma vez até morrer



Enfim vencemos! Terceira rodada do campeonato mineiro, após dois empates sofríveis e preocupantes contra as fragilíssimas equipes do Mequinha e do Tupi, este último em situação alarmante, vencemos a mosca morta do Social de Fabriciano, fortíssimo candidato ao rebaixamento nessa temporada. E de que importa? O que importa é vencer, e o atleticano vai se reacostumar com isso após quase uma década de gestões fracassadas e conformistas que relegaram o time de futebol do gigantesco Clube Atlético Mineiro a uma equipe medíocre, totalmente incompatível com sua história. Alexandre Kalil ainda não acenou com o projeto do sócio-torcedor que vem dando tão certo no Inter de PoA e que a massa Alvinegra tanto clama, mas vem mostrando, até o momento, uma gestão mais competente e ambiciosa que as administrações de RG e Ziza Valadares. O time do Atlético esse ano está longe de ser um dos melhores do país, como deveria, mas está bem mais longe de ser um dos piores, como virou rotina nos últimos anos. A equipe vice-campeã brasileira em 1999 também não era um primor de técnica, mas venceu pela competência do então treinador Darío Pereyra e da gestão que contava com os atuais Bebeto de Freitas e Kalil, então diretor de futebol, e também, evidentemente, por ter acertado uma das melhores duplas de ataque que o Brasileirão já viu. Este ano, graças à crise econômica que impediu o êxodo absurdo de jogadores para o exterior e com o arrocho salarial experimentado pelas periferías européias, a maioria dos grandes clubes do Brasil montaram equipes muito mais qualificadas que as dos últimos anos. O Galo também, apesar de não estar, na minha modesta opinião, entre os melhores plantéis. E de que isso importa? Não foram poucas as vezes em que equipes mais limitadas levantaram canecos em cima de grandes esquadrões. A Alemanha, campeã de 1974, é um belo exemplo de um bom time que bateu uma máquina. Tudo que o Galo precisa pra reencontrar o caminho dos títulos é entender as limitações do plantel e montar uma equipe competitiva, dentro de seus limites, e ambiciosa. Para isso temos agora um treinador que montou times vitoriosos com poucas peças em ambas as vezes em que dirigiu o glorioso. Émerson Leão, apesar de ranzinza e ególatra, é sim, um bom técnico de futebol e tem identificação com o clube. Esperamos que daqui pra frente o Galo do povo volte a vencer e amedontrar todos os grandes do país, como sempre fez, e que a massa ansiosa possa enfim soltar da garganta o grito que está preso há anos. Nós merecemos, e vamos torcer contra o vento!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Saudades de uma infância verdadeiramente feliz!

Assisti a um vídeo hoje no famigerado youtube, com o singelo título de "Saudades de uma infância verdadeiramente feliz". Curioso que sou, perdi alguns minutos da minha vida não muito atribulada assistindo a uma avalanche de imagens de brinquedos, chocolates, desenhos animados entre outras quinquilharias que marcaram a minha infância, tudo isso com o melancólico e agradável som do Balão Mágico ao fundo. Não é, definitivamente, a primeira vez que me deparo com artifícios saudosistas dessa natureza, e parece-me uma unanimidade entre a minha geração venerar os artigos de massa que faliram no passado, ao longo das décadas de 80 e 90. Honestamente, não consigo diferenciar a alegria que Changeman me trouxe do prazer que os atuais Power Rangers ou coisa que o valha trazem às crianças de hoje. O que eu espero, sinceramente, é que as próximas gerações possam se lembrar mais das brincadeiras e amizades, essas sim verdadeiras, construídas durante uma infância mais humana que a que fui submetido. Sim, a minha geração já faz parte da onda de ampliação de mercado que encontrou no púbico infantil uma reserva espetacularmente tentadora. As crianças são muito mais volúveis ao argumento do consumo que os adultos. Não nos bastava mais vários vizinhos e uma bola, ou uma boneca de pano para as meninas brincarem umas com as outras. Desde há muito o consumo é nosso meio de realização. São vídeo games cada dia mais modernos, desenhos animados que só são acessíveis pela TV a cabo, doces e balas sofisticadas, CD's de bandas de sucesso e etc. Os que não têm condições de consumir automaticamente se excluem do ciclo do crescimento "saudável". Seria a nossa infância infeliz sem o Super Nintendo ou o Guaraná Brahma? Nossas manhãs mais tristes porque a Xuxa não apresentou seu programa? Talvez a falta de Lolo e Batom no baleiro da escola fosse nos deprimir profundamente, não? Aonde está a identidade da infância nisso tudo? Não está, de maneira nenhuma, embutida nos produtos que nos remetem àquele tempo, e sim na lembrança de uma época em que estávamos aptos a participar do circo consumista sem nos preocupar de onde vinha a grana, de uma época onde se incluir era mais simples e que nossa responsabilidade era nula. Quais os grandes traumas da infância de uma criança de classe média? A falta de um brinquedo que os pais não puderam comprar, ou o desenho que nunca puderam assistir, e os doces que não podiam consumir, certo? Com todo o esforço de nossos pais de nos manter na bolha que isola a realidade crua dos olhos da criança, nos acostumamos a encontrar no consumo a felicidade plena. Quem se importa se já é raro manter amigos de infância, se podemos nos lembrar com saudades dos produtos que um dia possuímos? E as pessoas? Essas não vão ser encontradas em vídeos no youtube, em e-mail bem confeccionados em flash ou power point. Talvez um dia se tornem novamente mais uma cara no orkut, entre milhões de desconhecidos que te fazem uma pessoa popular, com 700 amigos! Até quando as pessoas estarão relegadas a segundo plano na imaginação das outras? Não quero mais me lembrar do He-man, mas dos dias raros em que fechávamos a rua, com duas pedras de cada lado, e entre amigos e desconhecidos, o dia passava agradável numa descontraída partida de futebol em que não se importavam as unhas ou o placar, simplesmente o prazer de se relacionar com outros seres humanos...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Verborragia (ou simplesmente logorréia)

ver.bor.ra.gi.a
sf (verbo+ragia) pej Qualidade de quem fala ou discute com grande fluência e abundância de palavras, mas com poucas idéias; logorréia.

lo.gor.réi.a

  1. (Uso: pejorativo) profusão de frases sem sentido e/ou inúteis
  2. (psicopatologiacompulsão para falarloquacidade exagerada que se nota em determinados casos de neurose e psicose, como se o paciente, assim, quisesse dar vazão ao grande número de idéias que passam por sua cabeça; logomaniaverborragia

Um dia me disseram que ninguém é 100% são, mesmo psicológicamente falando. Mas dizem muita bobagem por aí. A verdade é que a profusão de idéias aparentemente cognicíveis e formadoras de uma verdade idealista sempre me incomodou. Talvez eu mesmo seja vítima da psicopatologia conhecida como logorréia, (no sentido clínico, jamais no sentido pejorativo) mas meu esforço é em razão de isolar a idiotice da aparência vazia do meu cotidiano e procurar sentido nas coisas que faço, penso e, principalmente, sinto. A campanha histórica da dissolução do pensar com o sentir, é a grande responsável pelo sofrimento cinematográfico e muitas vezes patológico das novas gerações, acostumadas a repetir e somatizar comportamentos padronizados por novelas, big brothers, "soap operas" e etc. As pessoas sofrem sem saber por quê, e aprendem a aceitar que o sentimento é simplesmente desprovido de qualquer razão, que estamos fadados a um destino obscuro e que estamos atados frente a um emaranhado de possibilidades imprevisíveis que decidirão nosso futuro de forma implacável e coercitiva. Deceparam-nos o direito à escolha e condicionaram as nossas escolhas sempre àquelas que podem ser aceitas sob a ótica da sociedade de consumo. Não estou dizendo que se pode escolher o que sentir, muito pelo contrário, não se pode. O que se pode é escolher o que pensar, e principalmente, escolher pensar. Não compreender os reflexos da sociedade na nossa personalidade antes de se afogar num mar de certezas ideais e aceitar os comportamentos padronizados e felicidades enlatadas certamente te levará, em algum ponto, a um conflito interno insolúvel, visto que consumir relacionamentos é simples como consumir produtos: tem sempre de trazer ao indivíduo um ganho ou status social aceitável no meio. Quando não é mais eficaz em produzir esse efeito, perde o sentido. Daí as eternas incertezas, traições, inseguranças, ciúmes e outras doenças. Não existe caminho para a felicidade, mesmo porque esta é um fenômeno pendular, que de tempos em tempos vem e depois se vai. O esforço, então, fica por conta de pensar o mundo com nossas próprias cabeças e questionar sempre o óbvio. Isso não é a receita do sucesso (esta você pode encontrar no "Monge e o Executivo", "Quem mexeu no meu queijo" e outras maravilhas da literatura moderna), mas o meio de se tornar e se sentir único, agente da construção e da formação de um mundo onde a escolha possa voltar a existir livre, desprovida de interesses sociais de um pequeno grupo que insiste em nos convencer que as relações humanas também podem ser comercializadas.